Ela chegou, deixou algo na cozinha. Eu no computador pedi mentalmente que ela viesse, me desse um beijo no rosto. Desejei que trouxesse seu cheiro pra perto de mim, que me falasse algo com a boca cheia, do qual eu responderia um “hã?”. Ela chegou com toda a vida que alguém pode trazer de uma tarde de inverno, ela trouxe um pacote de bolachas pela metade. Ela tinha cheiro de roupas de inverno. Ela chegou, deixou algo na cozinha, disse alguma coisa, de boca cheia, ela chegou perto e meu coração bateu forte, como sempre.
Deito-me pensando em sua barriga, sua coxa, corro a mão pelas suas pernas. De olhos fechados posso sentir seus pelos eriçados. Seu corpo de mil segredos ocultos, sua pele macia que cobre ossos duros, sangue quente e coração pesado de silêncios. Profundos silêncios que tento ouvir com os ouvidos no seu peito. Que tento arrancar com beijos. Sugar através da nuca, ouvidos, dobras do joelho, ponta dos dedos. Caminho-te como num território estrangeiro, hostil e amigo ao mesmo tempo. Encontro em ti parte de mim, e perco-me novamente. Pois quem terá tantas curvas, dobras, ladeiras e becos.... De que me serve mãos, olhos, ouvidos senão pra de dentro de ti me encontrar, senão pra te desbravar como terra estranha. Perca-me, perca-me ainda mais, pois é em ti o labirinto maravilhoso que me dá direção e sentido.
Casa, porão e sótão. - Cortinas portas e janela e jardim. Flores que nasceram nos vasos, lembranças que nasceram nos portas-retratos. Pó sobre cristais e cheiros tão habituais. Casa limpa, louça lavada, e o sol ainda brilha no dia que ainda existe. O que perdeu-se foi o sentido, a pressa e espera. Ninguém pra chegar, ninguém pra correr com pés de lama sobre o assoalho recém encerado e nem ninguém que traga pão, sorriso. Encolheu em cinza. As janelas ficaram mais próximas do chão, o teto mais alto. E o teto abaixou, e as janelas ergueram-se, o mundo girou ao redor, a torneira pingou. De uma hora pra outra, quase tudo falou, como antes, quase tudo cantou, antes de cair novamente na quietude de um dia de trabalhos feitos e ninguém pra chegar. Era casa, finalmente, fora um lar.
Ouvindo: Erik Satie "Trois Gymnopédies", no youtube
Meio. Múltiplo. Vago. Longo e frio. - Encontro-me com meu
eu-infantil, meus jogos de consciência e as adivinhações. Daquele jogo que eu
mesmo sou parte, que caio e reparto-me em dois, o perdedor e o vencedor. Daquele
menino que não sabia seu lugar no mundo, por isso estava em todas as partes, e com
seu olhar inventava espaços. Via o mistério onde só havia obviedades. Construía
seu jogo com o pouco que resta a condição humana na infância. E tudo pra fugir
do medo, do caos, do susto. O mundo pode
uma dia desses virar de ponta cabeça, (você, leitor, está preparado?) quantas
palavras é possível falar com erre. E com eco, gritando. Ai! Não! Vá! Sai! Madeiraaaaa!
NÃO GOSTO DE MACARRÃO COM FEIJÃO QUERO UM DEPOIS O OUTRO! Como falar com múltiplas
vozes, como comecei a falar? Jogos palavrais, palas, palas, cala para plava
pavla para varais, palavrais e quantas palavras que nada significam, que pastam
num enorme campo a espera de serem abatidas pra consumidas e enfim estar a boca
do consumidor. Muitas palavras aleijadas de silabas que não emendam, ou
faltam-lhes partes essenciais ou caiu-lhes mais de um sentido (símbolo, sinal,
alegria, gozo, manga, coma). - Espero pela
vida adulta e a ausência de curiosidades
Ouvindo: musica contemporânea.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.